Eleita seis vezes a melhor do mundo, Marta é unanimidade na seleção brasileira desde 2002. O temor pela aposentadoria da craque pode ser suprido com o surgimento de uma promessa que desponta como a sua possível sucessora: Ana Vitória.
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No Benfica desde janeiro de 2019, a jovem de 20 anos brilha nos campos desde criança, quando tinha apenas cinco anos. A trajetória vitoriosa no esporte faz com que ela sonhe com uma convocação para os Jogos Olímpicos do Japão, marcados para 2021. “É um dos meus objetivos, um dos meus sonhos.
Jogar uma Olimpíada, jogar um Mundial, ganhar os dois. Esses são os meus sonhos”, disse a camisa 10 do Benfica durante entrevista.
O destaque no Benfica e o sonho de atuar na Olimpíada de 2021 parecem metas distantes, mas não são nem de longe o maior desafio da carreira. A atleta relatou a sua história, desde os tempos de escolinha, quando foi recusada em um dos clubes de coração até então — União Rondonópolis —, passando pela equipe masculina na base do REC (Rondonópolis Esporte Clube) por não ter uma categoria feminina e até a chegada ao futebol europeu.
“Torcia para o União de Rondonópolis, torcedora roxa. Só que eles não me aceitaram na escolinha. Minha mãe me levou para o REC. Lá, eu encontrei o Márcio [Schmidt, atual empresário]. Acabei indo para um lugar que era melhor para mim, com profissionais capacitados. Eu só queria jogar bola. Com dez, onze anos, chegou a fase de dividir escolinha e base. Eles não costumavam trabalhar com meninas, naquela época era ainda mais difícil. Eu fui para a base e joguei na base de um time masculino. Não sabia o quão era inédito aquilo. Fiquei até os 16, quase 17”, contou.
“Estava na base, jogando com os meninos e chegava a uma idade que não dava para continuar. Eu ficava me perguntando quando eu iria jogar com outras mulheres. A gente soube identificar para fazer um teste no Corinthians/Audax. Entramos em contato com o Arthur Elias, treinador do Corinthians, e ficou decidido que eu faria uma semana de avaliação. Fui para lá, fiquei por uma semana, fui bem nos treinos, eles gostaram, viram alguém com potencial para evoluir e foi quando a gente acertou que eu ficaria. Com tempo, com trabalho e oportunidades, peguei a confiança das colegas, acabei me firmando e tendo uma história muito bonita e vitoriosa”, acrescentou.
E as conquistas se tornaram frequentes na vida de Ana Vitória. Em 2017, venceu a Copa Libertadores pelo Corinthians, o outro clube do coração. Na mesma equipe, faturou o Brasileirão de 2018. O sucesso a levou para a Europa. O Benfica decidiu apostar na jovem meio-campista que surgia como um dos destaques do vitorioso Timão.
“A conversa com o Benfica começou em 2017. Eu estava na seleção sub-20, no Corinthians e, quando acabou o ano, eu vim conhecer o projeto deles. Eu vim aqui em Portugal. Encaminhamos uma possível vinda, que só se definiu no final do ano. Não foi uma escolha só minha, foi orientada pelos meus pais, pelo Márcio [Schmidt, empresário]. Chegamos à conclusão que estava na hora de mudar para um novo desafio. Conheci o Benfica em 2014, já tinha uma paixão pelo clube. Quando vim por último, em 2018, eu realmente fiquei empolgada com a possibilidade e decidimos que era o momento. Cheguei aqui no início de 2019, depois de concluir o ano com o Corinthians na segunda parte da temporada”, relatou.
Em seis meses no novo clube, Ana Vitória já se sagrou campeão da Taça de Portugal. Na temporada seguinte, ajudou o time a lutar pelos principais títulos, mas teve que interromper o trabalho por causa da pandemia do novo coronavírus. A expectativa era que o bom futebol a levasse para a seleção brasileira, que disputaria os Jogos Olímpicos em 2020. Contudo, ainda não houve contato para levá-la novamente à equipe nacional, hoje comandada pela sueca Pia Sundhage.
“Recentemente, não teve nenhuma conversa, não sei o que eles [da seleção brasileira] pensam. Parece conversa de jogador em final de jogo, realmente tive algumas sondagens, mas não cheguei a ter as oportunidades, porque não era o tempo certo. Tive sondagens com a Emily Lima, com o Vadão, nosso querido Vadão, mas nenhuma acabou se concretizando. Isso tem algum tempo, quando estava no Corinthians, em 2017, no Campeonato Brasileiro. Ali surgiu uma oportunidade para convocação, mas machuquei o tornozelo, depois a coxa e, na sequência, teve a Libertadores”, comentou.
“Eu cheguei a ser procurada, comunicada e não sei o que aconteceu que não ocorreu a convocação. Agora, para os Jogos Olímpicos, fico com uma expectativa, um motivo a mais para trabalhar. Fico com essa motivação”, completou.
Hoje em alta no esporte, Ana Vitória é apontada como uma possível sucessora da Rainha Marta. Quatorze anos mais nova que a craque, ela vê a camisa 10 da seleção brasileira como seu grande ídolo no esporte.
“Eu já sonhava em jogar futebol com cinco anos. Eu gostava da Marta, que era a única falada mesmo. Eu gostava de assistir, gostava de assistir ao Corinthians”, concluiu.
Confira outros pontos do bate-papo de Ana Vitória com o UOL Esporte:
Relação com o futebol: “Nem eu sei te dizer. Desde que me entendo por gente, não lembro de uma fase da vida que não gostasse de futebol. Não houve algum momento da vida em que não gostasse de futebol. Sempre que me lembro e paro para lembrar do passado, eu pedia uma bola de aniversário e não uma boneca. Eu tenho dois irmãos, um deles é da minha idade e jogava comigo. Não tenho nenhum histórico da família de jogador, mas não sei de onde veio esse gosto. Com cinco, seis anos, entrei na minha primeira escolinha de futebol. Eu entrei para brincar, usar a piscina… O meu pai me matriculou à época. Com sete, oito anos, cheguei ao REC”.
Preconceito no futebol masculino: “Das pessoas que trabalharam comigo, não. Eu sempre me senti muito acolhida, tanto pelos atletas quanto pelos profissionais. Eles sempre me trataram como igual. Às vezes, eu ouvia algumas coisinhas aqui e ali, mas eram sempre pessoas de fora. As pessoas não tinham noção da realidade de como eu trabalhava, como eu pensava. Mas eu nunca liguei para isso não, o único episódio de preconceito que aponto foi quando não me deixaram participar de uma competição por ser mulher. O regulamento da competição dizia que ‘o time que usar meninas será punido com a perda de todos os pontos da competição’. Naquela conferência antes de começar a competição, eu fui nela com meu pai. E ele pediu, fez um último apelo para que me permitissem jogar bola. Usaram argumentos machistas, nem sei me expressar. É bem feio, nem tenho coragem de repetir os argumentos deles. É baixo, um pouco sem escrúpulos”.
Início no futebol: “Eu comecei como lateral direita na minha primeira escolinha. Aí o professor me colocou como lateral e fiquei como lateral, era uma boa lateral. Quando eu fui para a seleção em 2013, no feminino, era complicado. Ou você tinha algum destaque, ou você não sabia se daria para sobreviver daquilo. Foi quando eu mudei de posição. O Márcio ficou insistindo, falando para eu mudar para uma posição que eu participasse mais do jogo. A gente fez experiência e eu me adaptei bem. Eu sabia as funções que tinha que exercer. Eu acabei jogando como meia por dentro e de extremo [ponta]. Foi ali em 2013, 2014 que as coisas mudaram e foram se consolidando”.
Recepção no Benfica: “O Rui Costa é um grande ídolo do Benfica. Quando eu vim conhecer o projeto, em fevereiro de 2018, eu fui lá no Seixal e ele me recebeu com uma camisa com meu nome, a 10, entregue pelo Rui Costa. Eu tenho ela guardada a sete chaves, ninguém trisca. Vieram meu pai e o Márcio para a apresentação. Coincidiu da águia chamar Vitória. Vem tudo dando certo, todos os títulos que a gente disputou a gente conquistou. Foi muito bacana a cena no Estádio da Luz, a presença da Águia. Quando eu vim em 2014 e fiz o tour pelo estádio, eles mostraram vídeos, falaram da águia. Eu fiquei deslumbrada com aquilo. Eu falei: ‘queria ver um jogo com a águia voando’. Quando soube que o nome da águia é Vitória, eu fiquei muito feliz, muito contente”.