Com imóveis para locação de férias vazios, as cidades do Velho Continente veem uma chance de recuperá-los para habitação permanente – e abaixar o preço dos aluguéis.
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Muito antes do coronavírus abater a Europa no início do ano, Portugal vinha se queixando de que a proliferação de locações de curto prazo de imóveis para turistas vinha provocando um aumento dos aluguéis. Para locais como Lisboa ou Porto, plataformas como o Airbnb começaram a afetar os habitantes locais e destruir o caráter de bairros históricos.
Agora, como a pandemia reduziu o fluxo de visitantes, muitas cidades estão aproveitando a oportunidade para trazer de volta esses imóveis vazios para o mercado de aluguéis de longo prazo. Tanto em Lisboa como no Porto, as prefeituras se tornaram elas próprias, locatárias de apartamentos vazios e sublocando-os como habitação subsidiada.
Autoridades municipais de outras cidades europeias vêm aprovando ou analisando novas leis de planejamento urbano para conter o aumento explosivo dos aluguéis de imóveis destinados em grande parte para turistas. Em Barcelona, o departamento de habitação ameaça se apossar de propriedades vazias e fazer a mesma coisa. Amsterdã proibiu a locação de imóveis para férias no centro “velho” da cidade. Em Berlim, uma autoridade local alertou que serão adotadas medidas severas contra plataformas que operam com locações de curto prazo “tentando burlar os regulamentos e descumprir a lei”. Já Paris planeja um referendo sobre plataformas do tipo de Airbnb.
Há anos a locação de propriedades para estadias curtas tem provocado uma redução de imóveis de aluguel para os habitantes locais em várias cidades europeias. Lisboa tem mais de 22 mil imóveis listados no Airbnb, segundo o site Inside Airbnb, que monitora essas operações em todo o globo.
Quando há muitos turistas, alugar uma propriedade por um período curto é mais lucrativo para um proprietário do que ter um inquilino de longo prazo. Segundo as prefeituras, é uma prática tem distorcido os mercados de habitação em cidades onde a oferta já é reduzida. As cidades acusam as plataformas online de contornarem as leis que existem para proteger os mercados locais.
“Não podemos tolerar que acomodações que seriam alugadas a parisienses sejam agora locadas o ano inteiro para turistas”, disse o vice-prefeito de Paris, Ian Brossat, em uma entrevista por telefone, acrescentando que espera reduzir o número de dias por ano, hoje estipulado em 120, que um imóvel pode ser alugado por meio de plataformas como Airbnb. Ele acusou a empresa de violar até essa regra. “A Airbnb finge respeitar a lei, mas não é o caso”, afirmou o vice-prefeito, que escreveu um livro criticando o Airbnb e seu impacto sobre as cidades.
Por outro lado, os dirigentes da plataforma negam qualquer infração cometida em Paris ou outras cidades. “Eles baixam as regras e nós as seguimos”, disse Patrick Robinson, diretor de políticas públicas da Airbnb para Europa, Oriente Médio e África. “Onde houver uma discussão vigorosa sobre os regulamentos certos, participamos do debate e o fim cabe aos políticos locais decidirem”.
Segundo ele, a companhia forneceu detalhes de registros e outros dados para as autoridades em centros turísticos importantes como Lisboa, Paris e Barcelona para auxiliar os administradores locais a aplicarem as leis. “Acreditamos que a solução é um melhor acesso aos dados”, disse ele. Em setembro, a companhia lançou o City Portal, para permitir que os governos tenham acesso a dados que ajudam a identificar as listagens que não atendem aos regulamentos locais, como contratos firmados e não registrados.
Cidades estão subsidiando aluguéis para impedir avanço
A iniciativa mais ambiciosa é a de Lisboa, que começou a assinar contratos de aluguel de cinco anos de apartamentos locados para períodos curtos e que hoje estão vazios. Essas propriedades são então sublocadas por um valor de aluguel menor para pessoas com direito à habitação subsidiada. A prefeitura local separou quatro milhões de euros, cerca de US$ 4,7 milhões, para esse subsídio no primeiro ano.
“Entramos na pandemia com uma enorme pressão sobre nosso mercado de habitação e não podemos nos permitir sair da pandemia com os mesmos problemas”, afirmou o prefeito de Lisboa, Fernando Medina. “Este programa não é uma varinha mágica, mas pode ser parte da solução em termos de aumentamos a oferta de habitações acessíveis”.
O programa tem por fim atrair mil proprietários de apartamentos este ano, e até agora 200 manifestaram interesse. Medina disse estar confiante de que o plano atingirá sua meta, uma vez que uma recuperação do turismo em breve é cada vez mais improvável enquanto a pandemia se prolongar.
O plano foi bem recebido por algumas associações de bairros que criticavam os políticos locais por permitirem que a cidade se tornasse um playground para turistas e investidores ricos. Muitos deles foram atraídos para Portugal diante das autorizações de residência e isenções fiscais oferecidos a estrangeiros após crise financeira de 2007-2008.
“O coronavírus contribuiu para expor os aspectos negativos da recuperação da crise financeira em Portugal, estimulada pelo mercado imobiliário e pelo turismo e não com um foco nas necessidades básicas das pessoas vivendo aqui”, disse Luís Mendes, geógrafo urbano e membro de uma plataforma cidadã chamada Habitar Lisboa.
Segundo Mendes, as restrições impostas pelo lockdown para frear o novo coronavírus deixaram claros os desequilíbrios que existem no campo da habitação em Lisboa. “Como pode ter uma quarentena se você não tem uma casa decente? Hoje temos uma prefeitura lançando um programa interessante e que está pelo menos consciente de que ter um teto é um direito humano fundamental”, disse ele.
Em setembro, a Corte Europeia de Justiça apoiou as cidades que tentavam reprimir as locações de curto prazo, ao respaldar decisão de um tribunal da França contra dois proprietários de imóveis que alugaram ilegalmente suas segundas casas pelo Airbnb. O tribunal francês emitiu uma decisão favorável ao Airbnb no ano passado, declarando que era uma plataforma online e não uma empresa do setor imobiliário, caso em que se exigiria que ela cumprisse as leis habitacionais. A Comissão Europeia vem adotando novas medidas para regulamentar a plataforma e outras existentes por meio de uma nova Lei de Serviços Digitais, com a finalidade de modernizar o sistema legal desses serviços em toda a União Europeia.
Quanto mais tempo a pandemia impedir as viagens, mais provável que iniciativas com a de Lisboa ganhem força, opinam especialistas e autoridades locais. Nesse intervalo, a Airbnb se vê obrigada a adotar outras medidas. Adiou seus planos de realizar um registro na Bolsa, cortou US$ 800 milhões em despesas de marketing, demitiu 1,9 mil funcionários e levantou US$ 1 bilhão de financiamento de emergência. E também teve de despender US$ 250 milhões para pagar proprietários impactados pelos cancelamentos ocorridos entre março e maio.