Por ANDRÉ NOGUEIRA.
No Brasil, é comum se ouvir que o grande problema do país é o fato de ter sido colonizado por Portugal. “A corrupção começou em 1500”, “Nosso problema é o gene lusitano enrustido” e muitas outras são frases que trazem um discurso que joga na forma da colonização como origem dos males diferenciais, colocando o país em desvantagem em relação ao mundo. É necessário repensar esse tipo de justificativa, a partir de uma visão histórica da colonização.
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É importante começar enfatizando que o atual Brasil era, principalmente a partir dos anos 1560, a principal posse ultramarina portuguesa, nos colocando em uma posição bastante relevante na geopolítica mundial. Portugal, um império colonial, era a principal potência europeia de sua época, ao lado da vizinha Espanha. É um erro rude pensarmos que o Brasil foi colonizado por um país qualquer e que daí nasce algum tipo de mediocridade política.
Para ilustrar como o Brasil não era irrelevante: em 1808, durante as campanhas napoleônicas, a única coroa europeia a se manter foi a portuguesa, pois a família real busca refúgio justamente em sua principal colônia, única capaz de sustentar essa migração.
A partir do momento em que os franceses tentam ocupar parte do espaço que é de posse de Portugal, o Império Lusitano começa um empreendimento mais elaborado para a ocupação do território. Feitorias litorâneas e a entrada pela extração de produtos florestais não eram suficientes para a dominação daquele continente enorme.
Por isso, Portugal foi pioneiro em métodos de ocupação do território. Toda aquela terra pertencia ao rei, mas os portugueses desenvolveram um esquema administrativo em que um vice-rei em território colonial fazia um intermédio a quem se respondia em terras ultramarinas. Portugal cria estatutos, cargos, envia material para a construção de igrejas, câmaras municipais, etc. Com isso, o país cria uma estrutura bem desenvolvida de administração e posse do território americano, sendo impossível olhar para esse momento da História e acusar negligências administrativas, incapacidades técnicas ou governamentais, fraqueza institucional ou outras características que falam serem brasileiras herdadas da colônia.
Outra característica da colonização portuguesa foi a ocupação prática do território a partir da agricultura. Isso significa que a ocupação colonial para os portugueses não era suficiente se conter à criação de um estatuto oficial do território, mas era necessária a ocupação prática do espaço para considerá-la eficiente. Para isso, a partir da noção de “capitania hereditária”, os portugueses entram no território com a produção massiva e agrícola da monocultura.
Muito se quer comparar o Brasil com outros países e outras situações hipotéticas de colonização. É comum que se coloque que o Brasil seria uma potência desenvolvida se quem nos tivesse colonizado fosse a Holanda, como se Nova Guiné, Sri Lanka e a África do Sul fossem grandes impérios mundiais.
Também é comum nos comparar com os EUA. Nada mais sem sentido: os territórios britânicos na América do Norte praticamente não foram colonizados e explorados, mas na verdade eram território de ocupação por aqueles que saíam da Inglaterra, não passando pelo abuso predatório dos recursos naturais e humanos. Não à toa, no primeiro movimento dos ingleses de construir um sistema propriamente colonial, aplicando impostos e metas de exploração aos colonos, isso desencadeou na Revolução de Independência de 1776.
Portanto, não faz muito sentido falar em melhor ou pior colonização, enquanto podemos colocar o problema da colonização em si. Não há “colonização boa” e “colonização ruim”, existem países que após a independência superaram os males da exploração colonial.
As razões dos problemas do Brasil são bastante complexas e fazem necessária muita análise e trabalho, e não podemos simplificar o debate apontando uma resposta fácil a partir das origens lusitanas do aparato estatal. Afinal, o Estado dos portugueses funcionava.
Hoje em dia, as elites que manipulam a política, a corrupção, a acumulação absurda de recursos nas mãos de poucos e a má fiscalização social têm mais ligação com nossos males que a colonização portuguesa. Se quisermos nos ater às marcas negativas que nos deixaram os portugueses, que foquemos em coisas como a escravidão, a prática da monocultura e o genocídio indígena na área rural.
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