Por Gian Amato.
Estabelecimentos centenários dão lugar a novas construções enquanto setor imobiliário se multiplica no país.
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Na noite da última quarta-feira, um grupo de turistas acompanhava o coro de “Besame Mucho”, da mexicana Consuelo Velasquéz, entoado por um artista de rua em frente à Pastelaria Suíça, no Rossio, em Lisboa. Cantavam alto a parte da letra que diz “como se fosse esta noite a última vez”. E, para eles, pode ter sido mesmo. O restaurante de 96 anos fechará definitivamente no dia 31, assim como as lojas do prédio conhecido como o Quarteirão da Suíça, referência na capital. Foi vendido para um grupo espanhol por € 62 milhões, seguindo a tendência do mercado imobiliário e do boom do turismo em Portugal, fatores que têm colaborado para a extinção de lojas centenárias.
O atual dono da Pastelaria Suíça tem quase a mesma idade do restaurante. Aos 92 anos, Fausto Roxo trabalha ali desde os 20. Costuma dizer que o segredo da longevidade é o trabalho. Ficará sem rotina pela primeira vez em 72 anos e ainda não sabe o que vai fazer. Até o dia 31, continuará na Suíça para cuidar de tudo. E arrumou ocupação extra: organizar a festa de despedida para os funcionários. Emocionado, lamenta pelo desemprego de 42 pessoas.
— É uma pena, mas não há o que fazer. Já esvaziei tudo e ainda me emociono. O pior é que eu já pensava como comemoraria o centenário — contou Roxo.
Com a fuga dos escritórios para outras áreas para evitar o aumento dos aluguéis, os lisboetas deixaram de se sentar em suas cadeiras, hoje ocupadas por turistas, atraídos pela fama da Suíça e que não se importam em pagar € 7,8 por uma salada de melão com presunto.
— Os próprios portugueses não garantem o funcionamento adequado. A Suíça pratica preços caros, e a qualidade é baixa — disse o jornalista Ricardo Martins Pereira, da revista digital Magg.
MERCADO AQUECIDO
Enquanto prédios históricos fecham ou mudam de endereço, o ramo imobiliário prolifera. Nos últimos dois anos, 1.385 imobiliárias foram licenciadas em Portugal, o que dá quase quatro por dia. Mais da metade das 5.445 que estão em operação surgiu entre 2016 e fevereiro deste ano. Segundo a Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (Apemip), o setor tem sido um importante gerador de empregos neste momento de retomada econômica.
— Muitos trabalhadores encontraram refúgio no setor imobiliário durante os anos de crise e ainda lá estão — disse Luís Lima, presidente da Apemip.
Segundo Paulo Ferrero, fundador do Cidadania LX, grupo que combate a especulação, em Lisboa há uma tendência de se apagar a memória histórica, mas no Porto o apego é maior. Foi o que salvou um ícone da cidade, o prédio do centenário café A Brasileira, na Rua Sá da Bandeira. Fechado por cinco anos, ele abriu este ano todo remodelado, mas com a fachada de 1913 e o projeto do interior da cafeteria, com a escarradeira original e a placa pedindo aos clientes que não cuspissem no chão, mantidos.
O responsável pelo negócio foi o Grupo OPPA, de Antônio de Oliveira, o empresário que, junto com a Rede Pestana, transformou o prédio em um hotel cinco estrelas. Ele é ex-jogador e ex-treinador de futebol, tendo começado a carreira no Porto. Prova de que são os esportistas que conseguem arcar com um projeto destes. E, no caso de Oliveira, o lado sentimental falou mais alto.
— A Brasileira é para mim muito mais do que uma oportunidade de negócio. É um reencontro com a minha própria memória, com a alma do Porto — disse o empresário.
Mas logo ali ao lado, um outro símbolo do Porto fechou em maio. Pelo menos no número 87 da Rua do Bonjardim, o Regaleira não funcionará mais. Já há obras para a construção de um empreendimento imobiliário no prédio e o local, fundado em 1934 e onde nasceu a “francesinha”, irá desaparecer. Criado em 1952, o sanduíche de carne, linguiça e queijo é um ícone do Porto.
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Os donos do prédio optaram pela venda, e os sócios do Regaleira, por mais que a prefeitura tenha acenado com a reabertura em outro ponto, dizem que o futuro é incerto. Antes do fechamento, havia 12 funcionários.
Um pouco mais abaixo, o histórico Café Imperial, na Praça da Liberdade, inaugurado em 1935, virou um McDonald’s. Mas a fachada Art Déco foi mantida, assim como a escultura da Águia Imperial. Menos sorte para estabelecimentos vizinhos, que desapareceram por completo.
ALGUNS PONTOS TRADICIONAIS QUE JÁ FECHARAM
EM LISBOA
Casa Frazão – Rua Augusta
Camisaria Pitta – Rua Augusta
Livraria Aillaud & Lellos – Rua do Carmo
Livraria Portugal – Rua do Carmo
Aníbal Gravador – Rua Nova do Almada
NO PORTO
A Regaleira – Rua do Bonjardim
O Imperial – Praça da Liberdade
Loja Rubi – Rua 31 de Janeiro
Casa Forte – Rua de Sá Bandeira
Tamegão – Rua Formosa
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