Filas por comida se multiplicam em Portugal, devido ao aumento do desemprego

Procura por bancos de alimentos e refeições grátis reúnem de profissionais liberais portugueses a imigrantes brasileiros.

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Funcionária distribui alimentos e refeições em Lisboa durante epidemia do novo coronavírus: programas apoiam pessoas que perderam o emprego. (Foto-CWB)

Quando chega a hora do almoço em Portugal, Wilson Raposo recorre ao apoio de uma instituição católica. Para jantar, vai a um centro espírita. O café da manhã deste emigrante paulista de 33 anos é feito das sobras das refeições. Viver de doações passou a ser o cotidiano de milhares de imigrantes e portugueses que perderam seus emprego e renda durante a pandemia da Covid-19 e entraram nas filas de bancos alimentares por todo o país.

Se na primeira fase do desconfinamento, no início de maio, grande parte da população correu aos cabeleireiros, nos dias seguintes Portugal conheceu a face da pobreza. O país foi surpreendido pelas imagens de centenas de pessoas aglomeradas na fila da distribuição de alimentos em uma mesquita em Amadora, na região metropolitana de Lisboa. A polícia foi chamada para manter o distanciamento social.

Pedidos duplicam

Dia após dia, pessoas de classe média, profissionais liberais, jovens, idosos, mães com bebês, imigrantes e portugueses engrossam filas por todo o país. Desde o início da pandemia, em março, são mais 77 mil pessoas sem emprego, elevando o total do país para 392 mil. O governo previu aumento da taxa de desemprego dos atuais 6,5% para quase 10%.

— Eu nunca vi nada assim em Portugal nos meus 27 anos de trabalho — disse Isabel Jonet, presidente da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome, uma organização não governamental.

Com a experiência adquirida em campanhas contra a fome em São Paulo nos anos 1990, Jonet, uma portuguesa de 60 anos formada em economia, faz contas para tentar multiplicar o estoque de cem toneladas de comida. Ela diz que a quantidade não chega para abastecer todos os 21 bancos e 2.600 instituições do país, que atendem 390 mil pessoas. Entre o final de abril e o início de maio, os pedidos aos bancos duplicaram e chegaram a 14 mil, o que representa cerca de 60 mil novas pessoas em situação de pobreza. Instituições religiosas, como a Cáritas, também registraram aumento de pedidos de cerca de 40%.

— São dentistas, taxistas, músicos, fisioterapeutas, manicures e profissionais liberais diversos ligados ao turismo e restaurantes, sejam imigrantes ou nacionais. Brasileiros e portugueses estão juntos na fome causada pelos efeitos econômicos da pandemia, porque ninguém esperava perder trabalho de uma hora para outra — afirmou Jonet.

Os imigrantes são apontados como uma das camadas sociais mais vulneráveis. Wilson Raposo foi copeiro e pedreiro. Com seis meses de residência em Portugal, perdeu os rendimentos com a paralisação dos serviços não essenciais e teve que recorrer ao apoio emergencial da Seguridade Social para não dormir na rua.

— Eles pagam o aluguel de um hostel no Porto enquanto procuro trabalho, mas está difícil — disse Raposo, que está na expectativa de conseguir um emprego em em Lisboa.

Com o fechamento das creches e escolas públicas, onde as refeições eram gratuitas ou muito baratas, a balconista portuguesa Telma Fernandes se viu em casa com quatro filhos, de 3, 9, 13 e 20 anos, para alimentar. E foi surpreendida com a liberação da prisão do irmão, medida para conter a doença no sistema carcerário.

— Fiquei três horas na fila para conseguir arroz, batata, açúcar e atum. Este mês recebi €400 (R$ 2.348) e só o mercado custa €500 (R$ 2.935), fora as outras despesas, como remédios e contas, que não consigo pagar mesmo com o abono da Seguridade Social — disse ela.

Psicóloga e diretora técnica do Centro Social e Paroquial Nuno Álvares Pereira de São Tiago, em Camarate, uma das regiões mais pobres de Lisboa, Filipa Sampaio Moreno coordena a distribuição dos alimentos que chegam do Banco Alimentar.

— As pessoas desabam. Há gente que teve que ser alimentada imediatamente, algo que não fazíamos. Nem nos anos de intervenção da troika [programa de ajuste econômico de Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI entre 2011 e 2014] senti esta fragilidade — contou Moreno.

2 milhões de pobres

No bairro de Sacavém, a cuidadora de idosos paulista Mary Nascimento vive com o filho na casa de uma amiga, que tem cinco filhos. Ela se mudou durante a pandemia porque dividir o aluguel de €350 (R$ 2.054) era mais barato que os €680 (R$ 3.992) que pagava sozinha. Cuidava de duas senhoras e manteve o trabalho com uma.

— Se não fosse a doação de alimentos, não daria para fazer supermercado para oito pessoas — garantiu.

Portugal tem quase dois milhões de pessoas na faixa da pobreza. O governo ampliou em 50% a distribuição de cestas alimentares para 600 instituições sociais, passando de 60 mil para 90 mil famílias. O apoio da Seguridade Social foi estendido aos trabalhadores informais que não contribuíram para o sistema no último ano, que terão direito a € 219,4 (R$ 1,3 mil) mensais.

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