Imigrantes demonstram ambiguidade política às vésperas de eleição que deve manter o primeiro-ministro António Costa no poder.
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O caminhoneiro paulista Anizio Tavares chegou a Portugal em dezembro de 2017 sem entender os rumos da política local. Ele diz que é de direita e não pensa em mudar de direção. Mas ficou surpreso ao saber que o governo é de centro-esquerda, apoiado por uma coalizão informal e inédita de partidos de esquerda, a Geringonça. Apesar sua posição conservadora, simpatiza com as medidas do primeiro-ministro António Costa , do Partido Socialista (PS), favorito à reeleição nas eleições gerais deste domingo.
Anízio é um dos brasileiros que emigraram para Portugal nos últimos anos em busca de melhores oportunidades e para se afastar da corrupção e violência. São pessoas que, em parte, se declaram de direita e admiram medidas sociais implantadas pelo governo de centro-esquerda, como o rendimento social de inserção, uma espécie de Bolsa Família portuguesa. Este programa de apoio financeiro de até € 189,66 (R$ 845,72) é destinado à população em situação de pobreza extrema, mas condiciona o benefício à obrigatoriedade de aceitar ofertas de trabalho ou cursos de capacitação.
Ambiguidade política
Para o professor Pedro Goulart, do Centro de Administração e Políticas Públicas da Universidade de Lisboa, a ambiguidade política tem sido comum entre imigrantes. Muitos deles chegam alienados do contexto e levam um tempo até tomarem consciência do cenário:
— É um fator complicado, porque o imigrante perde muito do debate e seleciona os temas que mais lhe dizem respeito. Mas quem chega tem chance de recomeçar sem compromisso com o passado, pressões antigas da sociedade ou da família. Se o imigrante deixa uma situação volátil como a do Brasil, e encontra em Portugal condições que permitam certa benevolência, o partido tende a ter um ganho.
Em seu perfil no Facebook, Anizio compartilhou recentemente um vídeo onde um homem filma um outdoor em Lisboa no qual há as seguintes frases: “Parabéns, Brasil. Adeus esquerda, corrupção, violência, marxismo cultural, subsídio… Agora falta em Portugal.”
— Eu ainda não consegui perceber muito bem o cenário político de Portugal. Sou de direita, mas vejo que os partidos de esquerda daqui capacitam o cidadão. Em Portugal, a gente sabe que tem direitos, dos incentivos que são dados, e, se os socialistas não tivessem feito nada, não teríamos. Política é para ajudar e capacitar, como fazem com o subsídio aqui — disse Anizio, que vive em Lisboa, tem 51 anos e trabalha no transporte de cargas pesadas.
Há 20 anos em Portugal, a pernambucana Martina Lima Nuno, de 43 anos, vive em Coimbra. Após décadas no país, prefere ignorar a autoria de avanços sociais recentes, mas reconhece a qualidade de vida proporcionada pelas políticas públicas em geral.
— Eu não gosto do António Costa. Mas não tenho como me queixar da saúde, educação e segurança. E o rendimento de inserção obriga a pessoa a fazer um curso, a aprender uma profissão. No Brasil, só pagavam a parcela de ajuda e pronto. Há quem chegue e tente impor ideologia. Se falar mal do atual governo brasileiro, eu nem converso — comparou Martina.
Professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e professor visitante desde 2018 na Universidade Federal de Brasília (UFB), João Bilhim era funcionário do governo. Trabalhou duas vezes com Costa enquanto o premier era ministro da Justiça e da Administração Interna. Para ele, o Costa desta legislatura foi menos estatizante e menos reformador do que poderia ser e isso surpreendeu quem não tinha informações sobre ele e o governo.
— Os brasileiros que chegam têm a sensação de que o governo de esquerda não é radical. Aliás, o termo esquerda é sempre ambíguo, por existirem muitas, e sempre exige esclarecimento: os portugueses elegeram um governo de centro-esquerda. Outra comparação é com os programas sociais dos países, quando veem que Portugal ensina a pescar e não entrega somente o peixe — explicou Bilhim.
Abertura aos imigrantes
Costa e seu governo são responsáveis por ações de abertura aos imigrantes, com Portugal batendo este ano o recorde de residentes estrangeiros, com 480 mil, dos quais 105 mil brasileiros. É um estilo de política cortês, mas também uma necessidade frente ao déficit demográfico. Na campanha, o premier anunciou que pretende pôr fim às cotas anuais de trabalhadores de fora da União Europeia que as empresas nacionais podem contratar. A cota deste ano sugerida pelo governo foi de 8,2 mil.
— A ideia de quem vem para Portugal vive à custa do seguro desemprego é julgar que nós somos a Suécia. Este contingente não faz qualquer sentido — disse Costa em almoço na Associação Cabo-Verdiana de Lisboa.
O primeiro-ministro também prometeu mudanças profundas no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para agilizar a entrada e permanência de imigrantes. Atualmente, o SEF enfrenta problemas de superlotação no agendamento para a obtenção e renovação de vistos, o que gerou um mercado negro de vendas de vagas na internet.
— Há aqui uma dimensão onde nos interessa agilizar a atração e outra, que, pela natureza das coisas, tem a função de fiscalizar quem entra no país e impedir em caso de dúvida — afirmou durante o debate “Portugal, que futuro”, no Porto.
No programa de governo do PS, o partido se compromete a “atrair uma imigração regulada e integrada para o desenvolvimento do país”. E justifica: “Portugal precisa, para sustentar o seu desenvolvimento, tanto no plano econômico como no demográfico, do contributo da imigração.”
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