Conheça o Famalicão: surpresa em Portugal tem domínio brasileiro, dinheiro israelense e cidade fanática

Líder do Campeonato Português pertence a um bilionário de Israel, tem no elenco 11 nascidos no Brasil e o carinho de Abel Braga, seu ex-treinador: “Aqui existe um torcedor fervoroso”.

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Time do Famalicão comemora gol. (Foto-Divulgação / Famalicão)

Lá se foram cinco rodadas do Portuguesão, campeonato vencido apenas uma vez no século por alguém que não seja Benfica, Porto e Sporting – estamos falando do Boavista, e isso na longínqua temporada de 2000/01. Por isso é que a ponta da classificação no momento causa estranheza. Quem é Famalicão? E que diabos esse time faz em primeiro lugar?

A sensação do Campeonato Português é uma baita surpresa até aqui na temporada, coisa que nem mesmo os envolvidos no projeto podem negar. Orgulho da cidade de Vila Nova de Famalicão, o time venceu quatro dos cinco jogos e lidera com 13 pontos, um acima da dupla Porto e Benfica. É mais do que sorte: tem a ver com o modelo de gestão instaurado no ano passado, com o dinheiro injetado por um investidor israelense e a mistura de jovens brasileiros com uma cidade que respira futebol.

Vila Nova de Famalicão fica numa região estratégica do Norte português, situada muito próximo de Porto, Braga e Guimarães, centros importantes. Apesar da pouca tradição na elite portuguesa – essa é apenas sua sétima presença na primeira divisão, onde não dava as caras desde 1994 -, o time completou 88 anos de vida em agosto. E orgulha-se, por exemplo, de ter conquistado a Segunda Liga por duas ocasiões: em 1977/78 e 1987/88.

Mas o responsável por abrir os horizontes do clube que jogou a terceira divisão quatro anos atrás foi a chegada de um grupo de investimento.

Em junho do ano passado, a gerência do Famalicão passou a ser responsabilidade da Quantum Pacific Group, do empresário Idan Foder. O bilionário israelense de 64 anos administra negócios em diversas áreas, mas no esporte é conhecido principalmente por ter 32% das ações do Atlético de Madrid. Não à toa, o atual elenco tem dois jogadores emprestados pela equipe colchonera: o zagueiro argentino Nehuen Pérez, de 19 anos, e o atacante uruguaio Schiappacase, de 20.

– O Famalicão tem a meta da estabilidade – disse Miguel Ribeiro, CEO do clube, em um evento da Soccerex no início deste mês.

“Não temos essa pressa. O nosso grande foco é fazer o clube crescer de forma sustentada para que se estabilize na Liga. Depois, sim, queremos subir mais um degrau na escada, que para nós será naturalmente o topo do futebol português”, completou ele.

Miguel Ribeiro, CEO do Famalicão, em evento da Soccerex. (Foto: Gualter Fatia/Getty Images)

Miguel faz parte da leva que chegou ao clube junto com a Quantum Pacific Group. Famalicense, essa é a primeira vez que ele trabalha no clube de sua cidade-natal. Antes disso, exerceu papel fundamental na diretoria do Rio Ave de 2011 a 2018, período em que o clube jogou três vezes a Liga Europa. O dirigente é amigo pessoal de Jorge Mendes e responsável, portanto, por aproximar o clube do superagente português.

O tridente formado por Miguel, Jorge Silva (presidente) e Amit Singh (representante da Quantum); assim como Jorge Mendes, deram solidez ao projeto do Famalicão.

– Mais do que dizer que vamos ser o Leicester ou não, o nosso foco é a longo prazo, é um processo de crescimento, sustentado e em que temos a noção do caminho que temos de percorrer – acredita o CEO do clube, referindo-se ao surpreendente campeão inglês na temporada 2015/16.

Dessa forma, o Famalicão vem tomando para si os holofotes do Campeonato Português. Essa é a campanha da equipe até aqui:

  • Santa Clara 0 x 2 Famalicão

  • Famalicão 1 x 0 Rio Ave

  • Vitória de Guimarães 1 x 1 Famalicão

  • Desportivo Aves 2 x 3 Famalicão

  • Famalicão 4 x 2 Paços de Ferreira

O time comandado pelo técnico João Pedro Sousa conquistou vitórias contundentes nesse início de campeonato, inclusive fora de casa, e só ficou atrás no placar na partida contra o Vitória de Guimarães. Famalicão e Boavista (duas vitórias e três empates) são os dois únicos invictos. Os argumentos de que é só o começo e de que ainda não enfrentou adversários fortes são válidos, mas há de se convir que, para quem nunca terminou o Português acima da 13ª posição, liderar dessa maneira é um feito e tanto.

O orgulho da cidade

Vila Nova de Famalicão tem pouco mais de 130 mil habitantes e é a 20ª maior cidade de Portugal em termos de população. Não é um grande centro, como também está distante de ser um pequeno município de interior. Por lá, destacam-se o polo cultural, o potencial de exportação e a paixão pelo Futebol Clube de Famalicão.

Torcida do Famalicão no Estádio Municipal 22 de Junho. (Foto: Divulgação / Famalicão)

– O primeiro clube deles é o Famalicão – conta o goleiro Rafael Defendi, 35 anos, um dos tantos brasileiros do elenco.

“É diferente de outras cidades, onde as pessoas são primeiro Benfica e, depois, o clube da cidade. O Famalicão é diferente. Nosso estádio é pequeno, mas tivemos o maior público na última temporada. Eles são muito fervorosos”, acredita o experiente jogador.

De fato, o Estádio Municipal 22 de Junho, onde o time manda seus jogos, suporta aproximadamente 5.300 torcedores apenas. Mas que a justiça seja feita: está sempre lotado. Na Segunda Liga da temporada passada, o Famalicão foi quem mais levou torcedores no acumulado (59.133 em 17 jogos), foi quem teve a maior média (3.478 por partida) e a maior porcentagem de ocupação do estádio (65,5%).

E para chamar o público para as arquibancadas em dias mais frios ou em horários mais inoportunos, o clube chegou a distribuir pizzas e sanduíches com chouriço para os torcedores. De graça.

Para essa temporada, o Famalicão esgotou ainda em agosto os pacotes anuais de ingressos, vendidos apenas para seus sócios-torcedores.

– Eu sei o quanto os adeptos são apaixonados pelo clube – palavras de Abel Braga, que, poucos sabem, treinou o Famalicão entre 1988 e 1991, bem no início da carreira de técnico.

– Existe uma importância muito grande para a cidade de Famalicão e para toda aquela região. O clube estando lá já é uma valorização muito grande, o nome da cidade está sendo falado em todo o mundo pelo início de campanha positivo. E espero que continue, porque aqui existe um torcedor fervoroso – afirmou o treinador ao GloboEsporte.com.

Abel Braga foi técnico do Famalicão entre 1989 e 1991, no início da carreira de treinador. (Foto: Divulgação / Famalicão)

Embora a passagem pelo clube português tenha acontecido 30 anos atrás, a relação de Abel Braga com a cidade é forte. Ele é lembrado com carinho porque foi o treinador da equipe em uma das últimas vezes que disputou a primeira divisão, na temporada 1990/91. O brasileiro tinha até o ano passado uma casa em Vila Nova de Famalicão e, por isso, passa férias lá com frequência.

– É um clube pelo qual eu tenho muito carinho porque, ali, começou minha carreira na Europa. Foi um aprendizado muito bom. Eu fico muito satisfeito com essa campanha do time, mas é só o início. Tem que manter os pés no chão porque é uma competição difícil, que acabou de começar. Mas é elogiável esse trabalho dentro do campo, porque isso é uma coisa fantástica para a região – concluiu Abel Braga.

“Tomamos conta do vestiário”

É coisa rara ver um clube português sem brasileiro no elenco. Mas o Famalicão levou as coisas para outro patamar: 11 jogadores da equipe nasceram no Brasil. Tem mais brasileiros do que portugueses, por exemplo.

– Portugal tem uma abertura para brasileiros. Brasileiro aqui não é estrangeiro. Estou aqui há seis anos e, por todas as equipes que eu passei, joguei com muitos brasileiros. Sempre sete ou oito, mas esse ano foi surpreendente. São 11. E é bom, tomamos conta do vestiário (risos) – brinca o goleiro Defendi.

Esses são os brasileiros do Famalicão:

  • Rafael Defendi, goleiro, 35 anos
  • Vitor Caetano, goleiro, 20 anos
  • Vaná, goleiro, 28 anos
  • Gabriel, goleiro, 22 anos
  • Lionn, zagueiro, 30 anos
  • Patrick, zagueiro, 22 anos
  • Riccieli, meia, 21 anos
  • João Neto, meia, 16 anos
  • Gustavo Assunção, meia, 19 anos
  • Anderson Silva, atacante, 21 anos
  • Walterson, atacante, 24 anos
Famalicão, no Campeonato Português, está repleto de brasileiros. (Foto: Divulgação / Famalicão)

A grande maioria é desconhecida para os torcedores brasileiros porque saíram do país muito cedo para fazer carreira em Portugal. É o caso do atacante Anderson Silva, um dos destaques da equipe no Campeonato Português. Nascido em São Paulo, ele jogou futsal até os 17 anos, ou seja, praticamente não teve base no futebol de campo. Passou sem destaque por Guaratinguetá e Guarani antes de receber uma chance no Famalicão, há três anos.

– Eu nem pensei duas vezes antes de vir fazer o teste. O treinador disse que eu tinha uma semana para mostrar meu potencial. Mostrei, e ele disse que ia assinar um contrato comigo. Deu tudo certo, graças a Deus – contou ao GloboEsporte.com.

Com dois gols, Anderson Silva é o vice-artilheiro da equipe no campeonato – está atrás apenas do português Fábio Martins, que tem quatro. O brasileiro marcou nas vitórias sobre Desportivo Aves e Santa Clara. Assista a um dos seus gols no vídeo abaixo, a partir de 1m22s:

– Meu sonho sempre foi jogar na Europa. Para mim, isso aqui é uma oportunidade de acordar cedo todos os dias e fazer o que eu gosto – garantiu o filho da Dona Nilza.

Para assegurar a liderança do Campeonato Português, o Famalicão tem pela frente na próxima rodada o primeiro grande: o Sporting. O jogo será na segunda-feira, às 17h (de Brasília), no Estádio José Alvalade. Para Anderson Silva, trata-se da chance que o Famalicão tem de mostrar que não está à toa na primeira posição.

– Vamos encarar como se fosse uma final. Quem não gosta de jogar contra time grande?

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