Por OGlobo.
Brasil tem 468 profissionais aptos a exercer a profissão no país, maior quantidade de estrangeiros regularizados na categoria.
A notícia de uma retomada correu de boca em boca. A recuperação econômica de Portugal e um mercado ainda em expansão , que pode abrir as portas da Europa, fizeram aumentar em 7,1% a inscrição de dentistas brasileiros na Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) no último ano. O Brasil tem hoje 468 dentistas aptos a exercer a profissão no país, a maior quantidade de estrangeiros regularizados na categoria.
Ao contrário de muitos brasileiros que chegam em Portugal sem documentação necessária e são barrados, o que aconteceu a 2.856 pessoas em 2018 , um recorde, os novos membros brasileiros da OMD têm em média 38 anos e a maioria é recém-formada em instituições portuguesas. Têm cidadania portuguesa ou visto de residência e se preparam estudando maneiras de se firmarem no mercado.
De 2012 a 2016, o número de brasileiros inscritos na OMD caiu de 493 para 437. O panorama mudou com o fim da crise financeira e os pedidos de registros voltaram a subir pela primeira vez em quase dez anos em 2017 (445), ano em que a população brasileira oficial residente em Portugal cresceu após seis anos em queda e chegou a 85.426 pessoas, a maior colônia.
— Entre os membros que se registraram nos últimos anos, verifica-se que apenas 15% têm menos de 30 anos e que todos obtiveram diploma ou equivalência em universidades portuguesas — explicou Orlando Monteiro da Silva, presidente da OMD.
Este perfil indica que os novos dentistas brasileiros em Portugal constituem um grupo de profissionais experientes, com carreira consolidada no Brasil, que emigram em busca de mais segurança e qualidade de vida. São profissionais que têm dinheiro guardado para investir no mestrado integrado, período de estudo exigido para obter a inscrição na OMD, e viver com tranquilidade até conseguir uma vaga no mercado do país ou europeu.
— O início da atividade profissional em Portugal é pautada por alguma instabilidade e insegurança, principalmente no que diz respeito à remuneração. Muitos brasileiros veem Portugal como uma porta de entrada para o mercado de trabalho da União Europeia, pois pretendem exercer a profissão em outros países da Europa, em condições claramente mais vantajosas — revelou Orlando.
Torneira aberta
Dentista, militar do Exército e professora universitária, a carioca Maria Nardelli Seabra, 40 anos, deixou a ensolarada Ipanema para se livrar da sensação de medo que a rondava toda vez que precisava cruzar a Linha Vermelha para dar aulas. Chegou em Portugal em fevereiro de 2018 com o marido, Daniel Seabra, fotógrafo, e o filho, que agora tem 4 anos.
— Tínhamos uma vida muito boa, mas começamos a ficar com muito medo de tudo e, em alguns dias, não mandávamos o nosso filho à escola. E não foi só a insegurança. Estávamos cansados do custo de vida altíssimo que tínhamos que bancar no Rio. Ganhava muito dinheiro, mas era torneira aberta. Entrava e saía e não conseguíamos construir um patrimônio, não dava para relaxar, ter uma vida mais calma, porque precisava trabalhar para manter o padrão de vida que a gente tinha na época — lembrou Nardelli.
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Em um ano, a carioca concluiu o mestrado e conseguiu estabilidade ao ser contratada por uma clínica particular no Porto:
— Temos uma qualidade de vida incrível, compramos apartamento, carro, conseguimos viajar sempre e é exatamente o que a gente queria. Levamos uma vida com segurança e paz. Portugal tem um campo imenso de oportunidades inexploradas, o mercado ainda está em crescimento e, se as pessoas vierem regularizadas e com respaldo financeiro para se manter por um tempo, porque as coisas não acontecem rápido por aqui, certamente as oportunidades aparecerão.
No começo, ao buscar dados sobre o processo de equivalência de diploma e dos procedimentos de matrícula em universidades, esteve diante de inúmeras dificuldades burocráticas e informações desencontradas. Foi quando teve a ideia de fundar, ao lado do amigo e também dentista Renato Tavares dos Santos, a Revalide, uma empresa que auxilia profissionais de odontologia, medicina, nutrição, arquitetura e psicologia a fazer a imigração profissional para Portugal.
— Percebemos que o nicho era inexplorado. Os brasileiros estavam vindo e perdendo tempo e dinheiro para obter informações, que podem ser controversas, como as que eu e Renato recebemos. Demoramos para entender como funciona o fluxo do processo de equivalência, quais documentos, possibilidades, universidades disponíveis, vagas e seus processos de seleção, etc. Vimos que podíamos ajudar muita gente e, agora, nossos clientes não precisam se deslocar a Portugal para fazer tudo isto, eles só têm que estar aqui no primeiro dia de aula, porque a empresa faz tudo — disse Nardelli.
Trampolim para a UE
Apesar da retomada econômica, do mercado em expansão e do plano do governo em ter pelo menos um dentista em todos os agrupamentos dos centros de saúde do país até o fim deste ano, os salários iniciais podem ser decepcionantes em Portugal, onde o mínimo é €600. Como atestou o presidente da OMD, a ideia de parte dos dentistas brasileiros com dupla cidadania pode ser usar o país como trampolim para trabalhar na União Europeia. Renato é um deles. Começou por Portugal, onde chegou em 2017, hoje mora em Liverpool, tem a inscrição na ordem da Irlanda do Norte, assim como sua sócia, e deu entrada na ordem da Inglaterra.
— Portugal não é o melhor mercado da Europa, é usado como trampolim, mas pode ser um país ideal para viver porque o custo de vida é baixo — afirmou Renato, que diz receber dez pedidos de informações por dia através do site da empresa e faz um alerta para o dentista que pensa em imigrar: — Muita gente acha que é só fazer a faculdade e sair trabalhando, mas tem que cidadania ou visto de residência para se inscrever na OMD. Se a pessoa faz o pedido só com visto de estudante, por exemplo, termina o prazo de permanência, e o profissional não é nada sem documentação legal.
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Mesmo com toda a burocracia e da exigência de um ano de mestrado para a inscrição na OMD, o cenário em nada se compara ao dos anos 1990, quando um acordo entre Portugal e Brasil estabelecia a equivalência direta dos diplomas, o que foi questionado por associações portuguesas. A pressão das entidades nacionais causou a alteração na lei e o fim da equivalência direta. Desde aquela época, José Pedro, que é de Petrópolis, trabalha em Portugal.
— Era uma confusão. Não tinha quem nos representasse. Existia um acordo que quem se formasse em Portugal teria equivalência direta com o Brasil. E a recíproca era verdadeira. Ao abrigo desta lei, eu era médico dentista e, por isso, os daqui brigavam — lembra José, que hoje tem consultório próprio e ainda trabalha para uma grande fábrica de cerveja atendendo seus funcionários: — Eu acho ótimo que haja essa nova possibilidade de imigração. Mas há que se dar condições para as pessoas trabalharem, não só física, mas financeiramente, porque pagam mal.
A dentista Ana Cristina Souza chegou em Portugal no início dos anos 2000, assim que se formou na Unigranrio, em Duque de Caxias, e conhece bem o mercado. E não recomenda a imigração de dentistas sem um bom suporte financeiro.
— Quem quer vir para Portugal tem que ter a certeza daquilo que pretende e estar muito bem calçado financeiramente para ter condições de se sustentar aqui no início. Porque, só cara e coragem não são suficientes — contou Ana Cristina.
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