Com concorrência acirrada por empregos qualificados, Portugal abre os braços para empreendedores

Abrir empresas se torna opção para quem quer viver no país, e governo português dá incentivos. Mas é preciso planejamento.

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(Foto: Montagem/Arte O Globo)

Nos últimos anos, Portugal virou um destino preferencial para quem quer trabalhar ou estudar fora. O Itamaraty estima que pouco mais de 111 mil brasileiros vivam hoje em Portugal, sendo 65,7 mil em Lisboa e 31,3 mil no Porto. Só entre 2017 e 2018, o número de imigrantes que cruzou o oceano cresceu 23%, com muita gente atraída pela facilidade de trocar de país, mas não de língua. Esta explosão de mão de obra em uma economia pequena como a portuguesa aumentou a concorrência pelas vagas para profissionais qualificados, que são as que pagam melhores salários. Assim, empreender tem sido a nova tendência — e um desafio arriscado — entre os que desembarcam do Brasil.

Antes de tirar o projeto do papel, entretanto, quem chega precisa pesquisar muito bem o mercado português para identificar um nicho. Ainda assim, é preciso ter um bom planejamento, familiarizar-se com as regras e processos burocráticos locais, além de ter uma reserva financeira considerável.

Uma franquia de um restaurante num shopping, por exemplo, pode demandar cerca de € 100 mil. Não faltam casos de brasileiros que tiveram que fechar as portas do empreendimento português porque subestimaram o desafio. Mas quem encontra o caminho seguro das pedras pode aproveitar as perspectivas de crescimento de vários setores da economia portuguesa, em plena recuperação desde a crise do final da década passada.

Não é apenas o desejo de mudar de endereço que estimula brasileiros a abrir um negócio por lá. Analistas apontam boas oportunidades em áreas como gastronomia e serviços, especialmente com foco em vida saudável e em regiões fora da Grande Lisboa e do Porto, como Braga, Madeira e Coimbra.

Além disso, a Comissão Europeia estima que, em 2070, Portugal terá apenas metade da sua população atual de 10 milhões apta para o trabalho. O envelhecimento fez o governo abrir as portas para os imigrantes e criar incentivos para atrair investimentos de fora. O número de estrangeiros em Portugal superou 480 mil em 2018, um recorde.

““A grande aposta neste momento são os produtos naturais, vegetarianos ou orgânicos””

     CRISTINA MATOS – Diretora-geral da APF

Com isso, abrir empresas ficou ainda mais fácil para um residente estrangeiro. O carioca Juliano Zappia fundou a sua Yellow Noises em pouco mais de 24 horas. Atuando na produção de grandes shows de artistas brasileiros em Portugal, com dois sócios, ele diz que, ao contrário do entretenimento no Brasil, Portugal tem experimentado alta expressivo no investimento das prefeituras em centros culturais e eventos.

Zappia, no entanto, alerta que é preciso um suporte financeiro robusto para evitar aventuras malsucedidas:

— Os brasileiros ainda têm uma poupança e conseguem empreender, algo que é difícil para grande parte dos portugueses devido aos salários mais baixos por aqui.

Começo difícil

Um dos setores para o qual o país tem mais incentivos é o de tecnologia da informação. Portugal vive uma espécie de eldorado tecnológico, atraindo empresas europeias e universidades de ponta com profissionais que ganham salários mais baixos (até 40% menos) que a média europeia.

Muitos brasileiros decidem abrir negócio em Portugal para fugir de um recomeço que, quase sempre, se dá fora da área de formação, com salários baixos e contratos temporários. O salário mínimo no país é de € 600, cerca de R$ 2,7 mil.

O empresário paraense Marlon Araújo viveu todas as etapas. Entrou no país com visto de turista e trabalhou como jardineiro ilegal por um tempo em um clube de tênis:

— Aluguei uma casa pequena, dormíamos eu, minha mulher e a nossa filha de três anos em uma só cama durante um ano. Foi bem difícil.

““Ser empregado aqui é muito difícil. Nem tentei como advogada. Os salários são baixos, e o custo de vida não é tão barato””

      CLÁUDIA LEITE  – Advogada

Foi então que investiu em uma firma de telecomunicações em Lisboa. Prosperou, inaugurou também um café, administrado pela esposa, Charline, e, em 2017, passou importar água de coco da empresa de seu avô no Brasil.

Sergio Topfstedt conta que abriu há dois anos a Leega Consulting Europe, uma consultoria de análise de dados, atraído pelo setor de TI em alta e a proximidade de outros países europeus:

— O que nos trouxe é o potencial de expansão — conta, apontando como profissões em alta no setor em Portugal as de desenvolvedor web , criador de aplicativos e especialista em Big Data.

A advogada Cláudia Leite e o marido, que se mudaram para Portugal este ano após a agência de publicidade que tinham em São Paulo ruir, ainda estudam o terreno. Enquanto ele trata da documentação para se tornar motorista de aplicativo e tentar abrir uma empresa, ela avalia como se reinventar:

— Ser empregado aqui é difícil. Nem tentei como advogada. Os salários são baixos, e o custo de vida não é tão barato.

Franquias

Segundo Luiz Felipe Costa, vice-presidente da seção fluminense da Associação Brasileira de Franchising, Portugal é o segundo país mais procurado como destino das marcas brasileiras no exterior, atrás apenas dos EUA. São 34 marcas que oferecem oportunidades de franquias e já contam com 587 unidades no país.

O próprio Costa chegou ao Porto há seis meses e pretende abrir ali a primeira loja da franquia de churrasco Billy The Grill que tem no Brasil. O valor do investimento varia, mas, num shopping, por exemplo, fica em torno de € 100 mil a € 120 mil euros, diz:

— O meu projeto é abrir duas lojas no ano que vem em shopping e, depois, crescer com franquia. Em Portugal nem todo mundo sabe como esse modelo funciona.

O interesse dos brasileiros em Portugal levou a ABF a se associar com a Associação Portuguesa de Franchising (APF) para levar ao país, em novembro, uma comitiva com empresários brasileiros interessados em expandir suas franquias além-mar. No encontro, aberto a qualquer franqueador brasileiro, eles conhecerão detalhes do mercado português, o processo de abertura de uma empresa e rodadas de negócios com empresários locais.

— A grande aposta neste momento são os produtos naturais, vegetarianos ou orgânicos. A alimentação saudável está no topo da linha. Mas é importante estudar o mercado daqui antes. As pessoas se iludem facilmente — afirma Cristina Matos, diretora-geral da APF, que criou há dois meses uma incubadora para ajudar estrangeiros interessados em empreender em Portugal.

““Os brasileiros ainda têm uma poupança e conseguem empreender, algo difícil para os portugueses devido aos salários baixos””

     JULIANO ZAPPIA – Empreendedor na área de entretenimento

Para ter o visto de residência como empreendedor, há três caminhos em geral. O mais comum é o visto D2, que serve para quem vai abrir micro ou médias empresas e franquias.

— A diferença é que se for para abrir uma empresa com 10 postos de trabalho ou na área tecnológica, há vistos melhores, como o Golden Visa e o Startup Visa, respectivamente — diz a coordenadora da área de imigração da Telles Advogados, Paula Vianna.

Após uma chegada difícil, o empresário Marlon Alves investiu em uma firma de telecomunicações em Lisboa e em um café, administrado pela esposa, Charline,(Foto: Acervo pessoal)

O que difere os três vistos é que o D2 obriga uma estadia de, pelo menos, seis meses por ano no país. Nos outros casos, são sete dias no primeiro ano e 14 nos seguintes.

Mas se o imigrante não tiver tino para os negócios e decidir buscar um emprego em Portugal, como prestador de serviço ou contratado, a melhor forma de chegar ao visto de trabalho é ter uma carta-convite do contratante. Além disso, é preciso provar que terá renda para se sustentar, além de passar pelos critérios de uma entrevista no consulado português no Brasil.

O caminho para obter um visto

Visto de trabalho: O profissional, que pode ser prestador de serviço autônomo ou contratado direto, deverá apresentar a carta de contrato e fazer uma entrevista no consulado no Brasil. O governo português também tem uma lista de profissões em demanda no país, o que facilita a contratação e proporciona salários melhores.

Visto de empreendedor D2: Caso o brasileiro não tenha visto de residência ou cidadania, ele pode se candidatar a um visto D2 de empreendedor. É recomendada a abertura prévia da empresa numa viagem de turismo a Portugal ou por procuração em uma Loja do Cidadão. Com estes documentos, fica mais fácil requerer o D2 a partir do Brasil. Quando aprovado, é preciso solicitar em Portugal uma autorização de residência.

Vistos Startup e Golden: Já o Startup Visa e o Golden Visa têm requisitos e benefícios específicos. O primeiro, em geral, é ter uma empresa da área tecnológica. No segundo, pode-se abrir um negócio com pelo menos 10 postos de trabalho. Para o Golden também serve a compra de uma casa a partir de € 350 mil. Além do investimento inicial, a grande diferença é que no D2 o empresário tem que passar, pelo menos, seis meses por ano em solo português. Já nos outros, sete dias no primeiro ano e 14 nos demais.

Processo de abertura: Para abrir uma empresa em Portugal, deve-se ir à Loja do Cidadão, no país, que equivale à Junta Comercial no Brasil e, primeiro, pedir uma inscrição das finanças. Com isso, ele passa a ter a Atribuição de Número de Identificação Fiscal (NIF) e pode, então, criar a empresa.

Empresa na hora: A facilidade para abrir um negócio próprio é um grande atrativo. A empresa é constituída imediatamente em um único posto de atendimento, mediante a apresentação de documentos da entrada em Portugal e o número fiscal (CPF). O empresário ainda receberá gratuitamente por um ano um domínio “.pt”, uma ferramenta para desenvolvimento de site e contas de e-mail. Mais informações em www.empresanahora.mj.pt.

Programas de apoio: O Gabinete de Apoio ao Empreendedor Migrante oferece suporte técnico para estruturar, desenvolver e checar a viabilidade da empresa pelo e-mail gaem@acm.gov.pt. A Promoção do Empreendedorismo Imigrante (PEI) tem cursos de apoio à criação de negócios, carta de recomendação para viabilidade da empresa e consultoria. Informações em goo.gl/YKS4yM . E para conhecer a incubadora da APF, o site é www.startupbusiness.pt.

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