Por Bruno Astuto.
Livro de dois brasileiros explica o frisson deste enigma.
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A Comporta tem praias de águas gélidas (16°C no verão) às quais só se chega por três acessos. No fim do dia, a mosquitada vem com tudo, fazendo todo mundo correr para dentro de casa. E a Bruna Marquezine ainda não apareceu para tirar selfies na piscina. Então por que será que o jet-set internacional está migrando em peso para lá? Claudia Schiffer, Mick Jagger, Madonna, Harrison Ford, Michael Fassbender e Alicia Vikander que o digam; eles são alguns dos nomes que deram recentemente o ar da graça no vilarejo português de três mil habitantes, população que chega a triplicar durante o verão.
A resposta você certamente vai encontrar em “Comporta Bliss”, novo livro da editora francesa Assouline, que recrutou os brasileiros Carlos de Souza e Charlene Shorto para darem sua visão sobre o novo refúgio preferido dos ricos e famosos em busca de uma vida mais mansa. Ex-casal e melhores amigos, os autores conseguiram o impossível: fotografar casas cujos proprietários não estão nem um pouco interessados no Instagram. A Comporta é um destino ainda (mas, pelo visto, não por muito tempo) secretíssimo, para amantes da vida off-line.
— São todos nossos amigos e, como fizemos as fotos com nossos iPhones, não houve desconforto — explica Charlene.
Entre os que franquearam suas portas estão o arquiteto francês Philippe Starck; a ex-modelo Farida Khelfa, musa de Jean Paul Gaultier e Azzedine Alaïa; e a promoter Françoise Dumas, responsável por convidar os vips para os desfiles da Chanel e da Dior em Paris, entre tantos. É claro que não poderia faltar o clã de empreendedores e banqueiros Espírito Santo, que em 1955 comprou 12.500 hectares da Herdade de Comporta, ao sul de Lisboa, para instalar seu pavilhão de caça, cercado de pinheiros mansos e pinheiros bravos que exalam um perfume inconfundível. Com o passar do tempo, a família foi loteando a imensa propriedade para amigos em busca de um refúgio pé na areia.
— Chegar lá não era fácil, e ficar também não — relembra Cacá. — Nós tínhamos que pegar uma balsa para atravessar a península de Troia, não havia comércio nem casas, só os pescadores e os agricultores. De certa forma, lembrou-me a Búzios da minha juventude. Era um paraíso selvagem.
— Existe ali um charme rústico e despretensioso, que se traduz na natureza preservada graças às leis severas de construção, no carinho dos locais, no artesanato e na comida maravilhosa. E tem também os passeios a cavalo à beira-mar — desmancha-se Charlene, que se mudou para Lisboa no ano passado depois de três décadas vivendo em Paris.
Esses são traços que os atuais moradores andam obcecados por preservar, apesar do frisson que a região vem causando. Três reservas ambientais e a proibição de construir a menos de um quilômetro da costa tentam conter a especulação imobiliária, que já triplicou os preços dos terrenos. Uma casa de quatro quartos ali não sai hoje por menos de R$ 5 milhões.
O único hotel bacana é o Sublime, com 14 quartos e 22 bangalôs, mas, em breve, o decorador Jacques Grange abrirá uma pousada ao lado de sua loja, a Stork Club. Uma importante rede hoteleira internacional, por exemplo, não conseguiu as autorizações necessárias para fundar ali um resort, mas reza a lenda que o Club Med e o La Réserve já encontraram um pouso.
Quem apresentou a região a Cacá e Charlene foi o saudoso decorador Pedro Espírito Santo, que morou no Rio entre os anos 1970 e 1980. Ele imprimiu nas casas da antiga propriedade familiar um estilo shabby-chic ou “chique esfarrapado”, que mistura facilidades da vida contemporânea a resquícios de uma Portugal romântica e aldeã. São paredes brancas, janelas e portas de um azul resplandecente que orna com o céu, redes nas varandas, um galinho português ali, louças na parede acolá e toalhinhas de renda sobre as mesas. Para o turista sem ligação com os locais, a Comporta é um enigma; os grandes momentos ainda acontecem nos almoços e nos jantares da intimidade dos lares.
— Mas há ótimas opções gastronômicas, como os restaurantes Pôr do Sol, na Praia de Carvalhal, e Sal, na Praia do Pego, além das pequenas tascas portuguesas, maravilhosas.
A primeira coisa que eu faço é comer as alheiras, linguiças feitas de galinha, e as amêijoas à Bulhão Pato, com alho e coentro. O alho português não é tão forte como russo. Dá até para você dar beijo na boca depois — brinca Cacá. — Se você estiver a fim de dançar em cima das mesas ou tomar champanhe numa garrafa cheia de estrelinhas, como em Mykonos ou Saint-Tropez, a Comporta não é o lugar. Ali acontece um culto à simplicidade que se perdeu em outros balneários europeus.
Dos famosos mosquitos de Comporta, Cacá diz não ter um pingo de medo:
— O mosquito é um personagem, integra um ecossistema incrível: tem os arrozais, que são cheios de água e atraem o mosquito, que é comida da rã, que é o alimento das garças que vêm da África e fazem seus ninhos nas chaminés. Então, das seis às oito da noite, o mosquito chega, você entra na sua casa e fica calminho, neném .
E será que o sucesso do livro, que já foi lançado em Paris, Roma, Milão, Nova York e, na próxima quinta-feira, ganha tarde de autógrafos no Rio, na loja da Valentino do Village Mall, não vai perturbar a santa paz da Comporta?
— Rezo para que ela não perca sua autenticidade e que suas tradições sejam sempre respeitadas — responde Charlene. — É tão triste o que aconteceu com Búzios, Mykonos ou Ibiza, por exemplo.
Ironia da vida, foram justamente as postagens dos autores no Instagram que chamaram a atenção de seus editores franceses. Morando no exterior desde os anos 1970, Cacá e Charlene se tornaram referências do bem viver. Em 2014, ele lançou um guia de viagens, “#Carlos’s places” só com fotos de suas andanças pelo mundo postadas em suas redes sociais. Virou best-seller internacional.
— Passo mais tempo no aeroporto do que em qualquer lugar. Mas, quando quero fazer uma detox disso tudo, vou para o meu sítio em Nova Friburgo ou para a casa da Charlene em Una, na Bahia — conta ele.
A epopeia internacional de Cacá, paulistano, ex-nadador do Palmeiras e campeão de saltos ornamentais, começou na virada dos anos 1970, numa festa pré-carnavalesca na boate Le Bateau, no Rio. Uma amiga, a ex-modelo Lucia Curia (que se casaria mais tarde com o banqueiro Walther Moreira Salles) o apresentou a Valentino, que passava férias na cidade. Expert em detectar belezas, o estilista italiano convidou Cacá para modelar na Europa. Hábil em colecionar amigos e cultivar uma agenda de telefones invejável, o brasileiro viu logo que o lado de cá das câmeras lhe reservava maiores emoções. Na boate Studio 54, Andy Warhol o apresentou a Bob Colacello, que assinava a coluna social mais trepidante de Nova York, a “Out” — pronto: Cacá passou a ser seu paparazzo oficial. Numas férias no Brasil, no início dos anos 1980, ele conheceu a mais estonteante beleza do high-society carioca, Charlene. A paixão foi fulminante.
— Eram dois deuses do Olimpo que, quando chegavam a uma festa, as pessoas ficavam mudas — descreve a amiga Kiki Garavaglia.
Eles se casaram em 1983 e tiveram dois filhos, Sean e Anthony. Finda a temporada carioca, a família se mudou para Roma, onde Cacá assumiu a direção de uma nova grife criada por Valentino, a Oliver, e foi contratado para fazer as relações-públicas da maison-mãe. Ao longo da carreira, ele emplacou vestidos em três ganhadoras do Oscar de Melhor Atriz: Julia Roberts, por “Erin Brocovitch”, Cate Blanchett, por “O aviador” e, neste ano, Frances McDormand, por “Três anúncios para um crime”. Charlene, por sua vez, se tornou a força-motriz dos bastidores da Valentino, atuando como musa, PR e conselheira. O casal acabou se separando, Valentino vendendo sua marca, mas o clima familiar segue firme e forte. E Cacá é hoje o embaixador mundial da marca, mesmo sem o mestre no comando.
Escrito a quatro mãos, o livro vem, de certa forma, coroar a parceria de quase quatro décadas dos autores. E também animou Charlene a fazer uma exposição das fotos belíssimas que até então eram privilégio de seus amigos e dos seguidores do Instagram. No último dia 11, eles finalmente lançaram a obra na Comporta, com enorme sucesso.
— O que está acontecendo é o retorno da Península Ibérica, dizem que até astrologicamente. A estrela da Europa nos próximos 20 anos vai ser Portugal. É um lugar calmo, tranquilo, não tem terrorismo — celebra Cacá. — Agora, com o Golden Visa, os impostos mais baixos e os stop-overs da TAP, o investimento e o turismo voltaram. Foram sacadas bastante inteligentes.
E com tamanho tino para revelar novos lugares, qual será, para Cacá, o próximo destino da hora?
— Tomara que seja um lugar no Brasil. Arrisco Alto Paraíso, em Goiás. O mundo vai ficar sem água, e lá tem um monte. A energia é incrível.
Palavra de especialista.
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